sábado, 28 de novembro de 2009

Filme: Crash - No limite

Crash - No Limite
Para rever nossos pecados cotidianos

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Artigo 1
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo 2
I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
II) Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Os artigos acima foram extraídos da Declaração Universal dos Direitos Humanos criada pela ONU em 1949, logo após a Segunda Guerra Mundial, em que morreram aproximadamente 60 milhões de pessoas, grande parte delas vitimadas pela intolerância, pela discriminação, pelo racismo. Crime bárbaro, hediondo e sem justificativa, qualquer prática que caracterize atos de exclusão, desrespeito aos direitos e as liberdades ou ainda atentado a dignidade humana deveria ser extirpado da face da terra. Não é o que acontece...
Pelo contrário, os casos de discriminação são evidentes e comuns em praticamente todos os continentes. Pessoas são vetadas na busca por um novo emprego pela cor de sua pele; as mulheres têm salários inferiores aos dos homens mesmo quando exercem funções semelhantes; árabes encontram dificuldades para entrar no ocidente por serem vistos como potenciais terroristas mesmo não tendo qualquer ligação política com grupos radicais; idosos sofrem exclusões no mercado de trabalho; hispânicos são menosprezados e destratados ao tentarem entrar em países ricos,...
Vejam que não estamos falando de casos marcantes, que envolvem milhares de pessoas ou que mobilizam lideranças como as de Nelson Mandela, Martin Luther King ou Gandhi. Retratamos nesses exemplos apenas situações do cotidiano para que as pessoas percebam que a intolerância está muito mais perto do que pensamos.
Está, por exemplo, na atitude pedante de pessoas que teimam em indicar o elevador de serviço para pessoas negras apenas pelo fato de imaginarem que esses cidadãos são sempre serviçais ou subalternos; Acontece em situações nas quais as pessoas do interior são tratadas com menosprezo por suas origens mais humildes, como se a relação metrópole-cidade de pequeno porte já não estivesse superada em virtude do avanço das tecnologias; Ocorre quando autoridades ultrapassam os limites de suas prerrogativas funcionais e violam os direitos constituídos de pobres cidadãos...
Crash - No Limite, o grande vencedor do Oscar 2006, é um exemplar e riquíssimo relato desses encontros e desencontros que acontecem cotidianamente na vida das pessoas e que retratam o descaso, o preconceito, a mesquinharia e a premente intolerância contida na cabeça e no coração das pessoas. E não se digam imunes a situações como essas, todos estamos sujeitos a momentos em que nos percebemos discriminando alguém.
Ou será que ninguém nunca se sentiu acuado ao entrar num bairro de periferia e, ao olhar os arredores, vislumbrando as pessoas daquela localidade, se sentir um estranho no ninho e pedir a Deus para sair com vida desse lugar. Santo sacrilégio! Cobertos de preconceito, sem ao menos conhecer os hábitos locais ou nem mesmo abrir o vidro de nossos carros atribuímos a pessoas que desconhecemos idéias que os incriminam e que os marginalizam... Isso não é preconceito?
O mais interessante do filme do diretor e roteirista Paul Haggis é que não há, ao longo da história, um único grupo étnico enfocado como vítima dessa temível praga que assola a humanidade desde tempos imemoriais. Todos são discriminados, todos são discriminadores. Árabes olham com desconfiança os negros, orientais ofendem hispânicos, brancos atentam violentamente contra os direitos civis de qualquer grupo étnico,...
Crash - No Limite não é apenas mais um filme. Trata-se de um documento de época. Mostra nossas mais vergonhosas limitações e enquadra situações que consideramos triviais na categoria de crimes que atentam contra a dignidade humana (ou seria melhor dizer que nos desmascara ao demonstrar alguns de nossos maiores pecados, os quais negamos veementemente?).
É cinema de primeiríssima, para pensar e repensar e, principalmente, para motivar a revisão de muitos de nossos conceitos e práticas...

O Filme
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Paul Haggis criou a partir de seu roteiro um carrossel de fortes emoções. Destinos se cruzam sem que as pessoas se dêem conta. Faz-nos pensar seriamente em sábios pensamentos chineses que dizem que a morte de uma borboleta do outro lado do mundo representa transformações e modificações para a vida de pessoas que estão aqui, ali, acolá...
Não há protagonistas principais nesse filme. Crash tem grandes nomes em seu elenco e atuações memoráveis por parte de Matt Dillon, Brendan Fraser, Sandra Bullock e Don Cheadle, mas são os atores e atrizes que compõem o elenco étnico que dá suporte aos astros que conta as agruras da diferença de cor da pele, das marcas do rosto, da história de seus povos. São eles que fazem as emoções aflorar com facilidade e intensidade nos espectadores.
O elo que os une, de forma invisível aos olhos de todos, é o roubo de um carro perpetrado por dois jovens negros que caminham discutindo a discriminação que perceberam no tratamento a eles dispensado num restaurante. Dessa conversa aparentemente informal e despropositada, apesar da incontida raiva em seus dizeres, surge a constatação de que sua presença naquele refinado bairro da elite branca causa calafrios em algumas das pessoas que passam pelas calçadas dali.
Puro preconceito, pensam eles. O próximo passo? É aproveitar um jovem e aparentemente próspero casal que está indo em direção a uma bela caminhonete e lhes roubar o veículo. Isso desperta nos assaltados enorme rancor, principalmente na mulher, que imediatamente transfere seus temores em relação aos assaltantes para toda a comunidade negra. E quem primeiro sente essa intolerância é o chaveiro que foi contratado para trocar os segredos das chaves da casa do casal...
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É esse mesmo jovem que ao ser acionado para trocar as fechaduras de um estabelecimento comercial pertencente a um iraniano vira alvo de dúvidas por parte desse descendente de árabes em virtude do arrombamento de sua loja ao final daquele mesmo dia. Será que o chaveiro hispânico não facilitou tal roubo?
Ao mesmo tempo os jovens que haviam roubado o carro do casal atropelam um coreano e o socorrem, levando o oriental para o hospital e salvando sua vida. Um dos assaltantes é irmão de um investigador da polícia, que tem uma amante/parceira hispânica a quem atribui grandes dotes enquanto amante e nada mais além disso, pelo contrário, até a desqualifica por suas origens chicanas...
O dono da caminhonete, por sua vez, é um eminente promotor público que sabe que não deve afrontar a comunidade negra para não perder prestígio político. Por isso mesmo ele recrimina a mulher por discriminar o jovem chaveiro e, devido a seus interesses, decide não alardear o roubo de seu carro. Há também a história de um policial que pára um carro luxuoso, semelhante à caminhonete roubada do promotor simplesmente pelo fato do motorista ser negro, mesmo sabendo que as placas não conferem com as do veículo roubado.
Inconformado com o fato da bela mulher do dono desse veículo ter uma tonalidade de pele clara, ele ultrapassa os limites de sua autoridade, ofende a dignidade da mulher, ameaça o homem negro e intimida seu parceiro, claramente aturdido com a situação...
E como termina esse emaranhado de histórias? De forma surpreendente, arrebatadora e inteligente. Paul Haggis escreveu e dirigiu um grande filme, merecidamente vencedor do Oscar e que deve ser visto por todos. Não percam!
Para Refletir
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1- O que perdemos ao agir de forma tolerante, respeitosa e educada? Absolutamente nada. Não há prejuízos, pelo contrário, a tendência é sempre a de que ganhemos, em contrapartida, no mínimo o respeito das pessoas com as quais estamos nos relacionando. Conheço pessoas que podem retrucar respostas como "bom dia por quê?" ao serem cumprimentadas. Estão sempre de mau humor, insatisfeitas com o mundo ao seu redor, amargas demais para entender o quanto significa estar vivo, ter saúde, poder trabalhar, possuir amizades,... Temos que fazer campanhas em prol da tolerância e do bom humor. Não podemos permitir que nossos ambientes domésticos, de trabalho ou estudo sejam contaminados pelo negativismo ou ainda por rancor, infelicidade, discriminação ou falta de respeito.
2- Dialogue com as pessoas. Guarde tempo para conversar com sua família. Reserve espaço para os amigos. Visite seus avós e pais com freqüência. São essas pessoas que irão estar em sua memória quando a existência nessa terra estiver findando. Não nos lembraremos dos bens, das dívidas, dos ressentimentos, das dores ou do trabalho. Iremos nos lembrar do amor, da amizade, do carinho, do respeito e de todos os sentimentos positivos que guardamos em nossa cabeça e em nosso coração. Estendam suas mãos e seu sorriso para essas pessoas e para o mundo e você receberá igual resposta de todos...
3- Organize pesquisas em jornais a serem desenvolvidas por seus alunos em busca de notícias sobre atos de intolerância. Crie um mural com esses artigos nos corredores da escola e reserve um espaço paralelo em que os estudantes possam rever as informações dadas nessas notícias e propor respostas alternativas a toda essa violência e descaso, desrespeito e destrato característicos da sociedade em que vivemos. Seriam como respostas ao preconceito, ao racismo e a todo e qualquer atentado a dignidade humana. São também momentos propícios a reflexão e oportunidades para todos avaliarem suas práticas e sua existência cotidiana.
4- Faça projetos que envolvam várias disciplinas e que mobilizem a utilização de outros recursos culturais como filmes, músicas, biografias, literatura, artes plásticas, teatro e dança para promover a tolerância. Há grandes contribuições que nos foram legadas por pensadores, artistas, políticos, acadêmicos e populares anônimos na luta contra a intolerância. Essas histórias e produções não podem ser desprezadas ou esquecidas. Elas devem servir como estímulo para que o futuro não seja tão parecido com Crash - No Limite...
Ficha Técnica
Crash – No Limite
(Crash)

País/Ano de produção: EUA, 2004
Duração/Gênero: 113 min., Drama
Direção de Paul Haggis
Roteiro de Paul Haggis e Robert Moresco
Elenco: Sandra Bullock, Brendan Fraser, Matt Dillon,
Don Cheadle, Karina Arroyave, Dato Bakhtadze, Art Chudabala,
Tony Danza, Keith David, Loretta Devine, Ryan Phillipe, Jennifer Esposito.

2 comentários:

  1. oq o filme nos mostra sobre ambição e ética?

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  2. O filme apresenta essa dinâmica com o ator Matt Dillon ( o policial) quando ele afasta a ética social ao buscar se sobrepor aos outros policiais e utilizar o seu poder de policial para persuadir pessoas ao longo do filme. A ambição em nossa sociedade dificilmente nos interliga as relações éticas pessoais. O lema " vencer acima de tudo" presente para muitas pessoas exclui o potencial ético e profissional presente não somente nesse filme como eu muitos outros.

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