quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Escravidão no século XXI

24/08/2009 - 17:22:39

Nunca houve tantos escravos como agora, diz pesquisador

Estimativas apontam que haja entre 12 milhões e 27 milhões de escravos. “Há mais escravos hoje do que em qualquer outro momento da história da humanidade”, afirma o jornalista Benjamin Skinner, em entrevista ai sítio Deutsche Welle, 21/8.  Benjamin Skinner, auto do livro A Crime So Monstrous: Face-To-Face with Modern-Day Slavery (Um crime tão monstruoso: face a face com a escravidão hoje).
Na noite de 22 para 23 de agosto de 1791, a ilha de Santo Domingo (hoje Haiti e República Dominicana) assistiu ao começo de uma insurreição que teria um papel decisivo na abolição do tráfico transatlântico de escravos. Hoje, o 23 de agosto é comemorado pela Unesco como o Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição.

Eis a entrevista.
A escravidão é um fato do passado?

Com certeza, não. Embora existam mais de 300 tratados internacionais e mais de uma dúzia de convenções universais exigindo o fim da escravidão e do comércio de escravos, este ainda é um problema que desafia o mundo moderno. Pessoas e nações presumem que a lei seja suficiente para erradicar o comércio, mas não é. A abolição legal é um primeiro passo necessário, mas a abolição real requer a aplicação rigorosa dessa lei para perseguir os traficantes e proteger e reabilitar as vítimas.
Quantos escravos existem hoje no mundo?
Como a escravidão é ilegal em qualquer parte do mundo, os traficantes escondem suas vítimas, temendo as autoridades. Em qualquer país, escravos são uma população oculta. Mas as estimativas mais amplamente aceitas apontam que haja entre 12,3 milhões e 27 milhões de escravos.

E em números relativos, em comparação com o passado?
Há mais escravos hoje do que em qualquer outro momento da história da humanidade. Mas, por mais deprimentes que sejam os números absolutos, podemos encontrar certo consolo no fato de a porcentagem de escravos na população mundial ser hoje menor. Os três grandes movimentos abolicionistas do passado de fato trouxeram progressos. Mas ainda há muito a ser feito neste quarto e último.

O que caracteriza a condição de escravo?
Escravos são pessoas forçadas a prestar um serviço, mantidas ilegalmente e ameaçadas com violência, sem pagamento e em esquema de subsistência. São pessoas que não podem fugir de seu trabalho.

Que tipo de trabalho eles fazem hoje em dia?
São usados em todos os ramos da indústria, da agricultura e do setor de serviços. A maioria é forçada a trabalhar para quitar uma dívida, em muitos casos herdada de um ancestral. Todo ano, centenas de milhares são forçados a cruzar fronteiras internacionais para executar trabalhos domésticos ou manuais, também como pedintes, ou se tornam vítimas de prostituição forçada. Crianças são obrigadas a lutar em guerras civis brutais; homens e mulheres, espoliados e obrigados a produzir componentes de produtos de consumo que você talvez tenha em casa. A escravidão está em todo e em nenhum lugar.

Que motivos levam hoje à escravidão?
As circunstâncias de cada escravo são diferentes, claro, mas há temas recorrentes. Em primeiro lugar, escravos tendem a vir de comunidades profundamente empobrecidas e socialmente isoladas. Tendem a ser jovens, do sexo feminino, com acesso restrito a educação e saúde, e sem qualquer acesso ao crédito formal. Também costumam viver em áreas onde o domínio da lei é fraco e criminosos podem tirar vantagem de sua vulnerabilidade  e isolamento para lucrar.

Que países e regiões possuem o maior número de escravos?
O sul da Ásia em geral - e a Índia, em particular - possui mais escravos do que todo o resto do mundo junto. A abolição do trabalho escravo na Índia, assim como a do sistema de castas, continua sendo uma promessa não cumprida. Nos níveis estaduais e distritais, bem como nos panchayats [sistema político indiano que agrupa quatro vilas em volta de uma vila central], a boa intenção das leis nada significa para os milhões de pessoas forçadas a trabalhar para pagar uma dívida que, em muitos casos, foi feita gerações antes.

E na América Latina?
Há centenas de milhares, talvez milhões de escravos na América Latina. O Haiti tem umas 300 mil crianças escravas. Ofereceram-me uma por 50 dólares numa rua de Porto Príncipe, a cinco horas de distância da minha casa em Nova York. Dezenas de milhares são traficadas da América Central e do México para localidades mais ao norte. Nos Estados Unidos, a maior parte dos escravos é mexicana ou foi traficada através do México. Ironicamente, o Brasil, um dos últimos países a abolir formalmente a escravidão, é hoje um dos mais proativos no combate ao tráfico. Equipes móveis de inspeção do Ministério brasileiro do Trabalho resgatam cerca de 5 mil escravos por ano. Mas infelizmente eles não recebem aconselhamento ou proteção adequados, e dá para contar nos dedos de uma mão quantos criminosos foram condenados. Ou seja, quase a metade dos escravos resgatados volta ao regime escravo. Ainda há muito a ser feito na região.

Qual o papel do Estado em países onde existe escravidão?
A escravidão existe onde os Estados são fracos ou corruptos, mas ela também pode ser usada por regimes autoritários como forma de controlar a população. Por exemplo, no Sudão, onde o governo do norte armou e encorajou as milícias a escravizar durante uma guerra civil de 22 anos. Ou em Mianmar, onde o governo impõe o regime de corvéia à população rural.
É sabido que, em certos países, é possível libertar um escravo pagando por ele. Algumas organizações fazem isso. Você considera este um caminho válido?
Certamente não. Por mais que comprar a liberdade de um escravo faça o comprador se sentir bem, essa prática, na melhor das hipóteses, dá margem à corrupção. Na pior delas, incentiva o comércio com a miséria humana.

Quanto custa um escravo hoje?
Escravos hoje são mais baratos do que nunca. Presenciei negociações de venda em quatro continentes e recebi ofertas de 45 dólares na África do Sul até cerca de 2 mil dólares (na verdade, tratava-se da troca por um carro usado) na Romênia. Com mais de 1,1 bilhão de pessoas subsistindo com menos de um dólar por dia, a oferta de potenciais escravos é praticamente ilimitada.

Quais são as consequências tardias da escravidão nas sociedades em que ela existiu, como nos EUA e na América Latina?
Países que falham em lembrar que a escravidão é um compromisso vivo estão condenados a viver em insegurança e desigualdade, e em meio a atividades criminosas. Mas aqueles que se encarregarem da difícil tarefa de eliminar a escravidão serão recompensados com sociedades mais prósperas e pacíficas. O que me lembra as palavras de Maya Angelou: “A história, por mais dolorosa, não pode ser ‘desvivida’. Mas, se enfrentada com coragem, não precisa ser revivida”.
http://www.youtube.com/watch?v=89BMhivvRFE&feature=player_embedded

Consumo - Reportagem da revista VEJA Ed 2086

Karl Hvidt
Divulgação

"A classe A não se importa em pagar caro pela sensação de status"

O engenheiro Karl Hvidt, 44 anos, está há três meses no comando da dinamarquesa Bang & Olufsen, líder no mercado de luxo de aparelhos de som e televisão. Sua tarefa não é fácil. Ele precisa modernizar uma empresa em que, desde 1925, tudo é feito de modo muito artesanal. Perdendo espaço para a concorrência, a Bang & Olufsen acumulava prejuízos quando Hvidt assumiu. Especialista no consumo de alto custo, ele falou ao repórter Marcos Todeschini.


O que faz alguém pagar até
100 000 reais por um aparelho de som?
 

As pesquisas mostram que a classe A adora a sensação de poder comprar um carro ou um par de sapatos que ninguém mais tem. São pessoas em busca de "exclusividade". Esse é o fator que mais pesa na decisão por um som tão caro. O segredo é investir no design, personalizar ao máximo os aparelhos e fazer uma boa propaganda disso. 


Qual é a influência da marca no mercado de luxo? 
Altíssima. Em nenhum outro mercado ela pesa tanto. Se a percepção da marca é boa, as chances de compra aumentam exponencialmente. Mais do que isso: o cliente passa a avaliar os atributos de um produto com muito mais condescendência. Tende a relevar as limitações – e enaltece suas qualidades.


Em que momento, afinal, os clientes revelam racionalidade na compra? 
A classe A é bem informada. Numa loja onde se vende tecnologia, demonstra elevado grau de conhecimento do assunto. Mas são, ainda, clientes predominantemente emocionais, capazes de pagar mais caro por algo que lhes dê sensação de status ou remeta a uma boa experiência. Nosso objetivo é justamente tentar aguçar esse lado mais emotivo.


Por exemplo? 
Poucas táticas funcionam tão bem no mercado de luxo quanto reunir um monte de grifes num mesmo lugar. Curiosamente, elas passam a ser vistas como ainda mais luxuosas. As pesquisas mostram que um som Bang & Olufsen a bordo de uma Mercedes-Benz recebe uma avaliação bem melhor do que o mesmo aparelho sozinho. O excesso de luxo nunca incomoda. Muito pelo contrário. 

Por que o senhor diz isso? 

Havia um mito no mercado de luxo de que a classe A prezava a discrição. Já erramos feio por acreditar nisso. Certa vez, a empresa criou um som para carros cujo volume aumentava automaticamente quando o motorista acelerava. Foi um fiasco. As pessoas diziam: "Qual é a graça de ter um carrão cinco-estrelas e não poder mostrar aos outros o som do motor em ação?".

O senhor assumiu a Bang & Olufsen com uma queda de 10% no faturamento. Onde estava o erro?  Pense numa empresa de tecnologia que, no século XXI, levava até vinte anos da pesquisa à fabricação de um produto e, ainda por cima, fazia quase tudo sob encomenda. Impraticável, certo? Até outro dia, éramos assim.
O que já mudou? 
Estamos deixando de ser tão artesanais. A escala de produção cresceu, componentes foram padronizados e a pesquisa se acelerou. Com isso, a previsão para 2009 é dobrar o número de lançamentos, o que é fundamental para permanecermos vivos diante de uma competição que só piora. 


A crise financeira já chegou ao mercado de luxo? 
Sem dúvida. Mesmo com dinheiro, as pessoas estão mais conservadoras. Nossa estratégia é apostar em países emergentes, como Brasil e Rússia. Antes da crise, a previsão era que lá o mercado cresceria 15%. Caiu para 11%, o que não é mau. Nesses países, o luxo ainda causa deslumbramento e desperta a irracionalidade como em nenhum outro lugar. Um cenário ideal para os negócios.

domingo, 29 de novembro de 2009

O que é Ética?




O termo ética deriva do grego ethos (caráter, modo de ser de uma pessoa). Ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. A ética serve para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado. Neste sentido, a ética, embora não possa ser confundida com as leis, está relacionada com o sentimento de justiça social.

A ética é construída por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais. Do ponto de vista da Filosofia, a Ética é uma ciência que estuda os valores e princípios morais de uma sociedade e seus grupos.

Cada sociedade e cada grupo possuem seus próprios códigos de ética. Num país, por exemplo, sacrificar animais para pesquisa científica pode ser ético. Em outro país, esta atitude pode desrespeitar os princípios éticos estabelecidos. Aproveitando o exemplo, a ética na área de pesquisas biológicas é denominada bioética.

Além dos princípios gerais que norteiam o bom funcionamento social, existe também a ética de determinados grupos ou locais específicos. Neste sentido, podemos citar: ética médica, ética de trabalho, ética empresarial, ética educacional, ética nos esportes, ética jornalística, ética na política, etc.

Uma pessoa que não segue a ética da sociedade a qual pertence é chamado de antiético, assim como o ato praticado.

sábado, 28 de novembro de 2009

Mudança na Família

Vovô vai à Justiça

Como a "nova família" mudou a realidade
dos tribunais brasileiros

Anna Paula Buchalla ( Fonte: Revista Veja)
 
Ricardo Benichio
O casal Emílio e Maria Amélia, com o neto: briga pelo direito de visita
Existem diversas maneiras de acompanhar a evolução de uma sociedade. Uma das mais curiosas é observar os processos em andamento nas varas de família espalhadas pelo Brasil. No tempo em que a chamada unidade familiar padrão era formada de pai, mãe e filhos, os casais procuravam a Justiça para dratar de separação e, bem mais tarde, do divórcio. Nos últimos anos, a chamada unidade padrão desapareceu e os tribunais foram invadidos por um sem-número de casos novos. O padrasto entra com ação para conseguir da ex-mulher o direito de ver o enteado. Depois de morar juntos por vários anos, o rapaz move processo contra seu parceiro na disputa por um quinhão do patrimônio que construíram. Como o Código Civil brasileiro é de 1916, tais litígios tiram o sono dos advogados e fazem juízes e desembargadores quebrar a cabeça em busca de uma solução coerente. "São questões que caem no subjetivismo do juiz", diz o advogado Sérgio Marques da Cruz Filho, sócio de uma das bancas de direito de família mais tradicionais do país. E tudo porque as leis ainda não foram adaptadas aos novos padrões de comportamento.
Os números ajudam a mostrar que o conceito de família está mudando. Dez anos atrás, havia menos de 100.000 divórcios por ano no Brasil. Hoje são cerca de 200.000, e de cada dez casamentos em pelo menos um deles um dos cônjuges está se casando pela segunda vez. São milhares de crianças vivendo com seus padrastos. Isso explica o aumento do número de casos referentes a regime de visitação na Justiça. Mesmo quando a separação é consensual, é obrigatório que se defina o regime de visitas, dias e horários em que um dos cônjuges tem direito de estar com o filho. "Criar normas para essa confusão toda é muito difícil", diz a advogada Floriza Verucci, membro da comissão que estuda um novo estatuto de família para reforma do Código Civil. "A questão é tão delicada que se pensa até num código específico para a família."
Em meio a essas mudanças, os advogados notaram que até aquela figura doce dos avós foi parar no tribunal. "Eles se tornam vítimas de uma separação conturbada", afirma Marques da Cruz. A polêmica que os levou à Justiça é a seguinte: vovô e vovó têm direito de visitar os netos quando os pais da criança (em alguns casos seus próprios filhos) fazem objeção? A lei não dedica uma linha ao assunto, mas ele é de vital importância. "Os avós são parte da família e o menor tem direito a essa companhia", diz o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Marcio Bonilha. "Como ele não tem capacidade de discernimento, cabe ao juiz olhar em seu benefício", acrescenta.
Foi o que fez o casal Emílio e Maria Amélia Zaidan, de São Paulo, entrar com um pedido na Justiça. O neto deles, também Emílio, então com 4 anos, estava acostumado a conviver com os avós maternos desde a morte de seu pai, quando ele ainda era um bebê de 9 meses. Nessa época, sua mãe, Silvia, fez uma triste escolha. Foi viver com um homem que se envolveu com o crime e privou o filho de qualquer contato familiar. "A situação era séria e nos deixava muito tristes", lembra Maria Amélia. Ficou acertado que eles poderiam ver o menino uma vez por semana e durante um fim de semana a cada quinze dias. "Quando ele tinha de voltar para sua casa, era um drama", diz o avô Emílio. Hoje com 19 anos, Emilinho, como é chamado, vive com os avós (sua mãe faleceu há seis anos), cursa faculdade de turismo e tem sociedade num restaurante japonês.

Skinhead

Já fui um deles

Primeiro skinhead a deixar a gangue e
denunciar os colegas, rapaz de 20 anos
mostra como jovens podem aderir à
selvageria como se fosse coisa normal

Monica Weinberg ( fonte: Veja on -line)

André Brant/André Penner/Egberto Nogueira/Omar Paixão/André Brant

 
O maior medo de Jorge é ser assassinado. O segundo é encontrar um skinhead na rua – "porque se isso ocorrer eu serei um homem morto". Jorge da Conceição Soler tem 20 anos, é negro, usa óculos, carrega um terço no pescoço e nunca se preocupou em ganhar músculos para se exibir nos embates de rua. Tem o perfil adequado para ser uma presa dos skinheads (cabeça raspada, em inglês), nome pelo qual são conhecidos esses militantes da intolerância e da selvageria que costumam espancar nas ruas negros, gays, nordestinos ou punks pelo fato de serem negros, gays, nordestinos ou punks. Mas Jorge Soler foi, ele próprio, um skinhead. Durante três meses pertenceu ao grupo Carecas do ABC, que não discrimina os negros, mas nutre ódio especial contra homossexuais, estrangeiros e punks. Chegou a testemunhar – segundo ele, sem tocar um dedo – o espancamento que levou à morte o adestrador de cães Edson Neris da Silva, que passeava de mãos dadas com o namorado no centro de São Paulo, em fevereiro passado. "Eu via um homossexual no meio da rua e evitava olhar. Morria de nojo dos punks", diz.

Ricardo Benichio
Jorge Soler, que está sob os cuidados do programa de proteção à testemunha
Jorge Soler é o primeiro caso de que se tem notícia no Brasil de um skinhead que abandonou o movimento e denunciou seus colegas de pancadaria. Depois de três meses na prisão, junto com outros dezessete skinheads dos Carecas do ABC, acusados de formação de quadrilha e homicídio, Jorge resolveu trocar de vida. Denunciou cinco colegas pela morte do adestrador e passou a colaborar com a Justiça. Hoje, respondendo em liberdade a processo por homicídio cujo julgamento deve ocorrer até o final do ano, ele aderiu ao programa de proteção à testemunha, cuja missão é garantir sua vida.
Filho único de uma dona-de-casa e um comerciante, Jorge mudou-se com os pais para o interior de São Paulo e sua casa é permanentemente vigiada por policiais. Formado no ensino básico, queria cursar administração de empresas, mas tem medo de entrar na universidade. Receia que, com uma rotina definida, vire alvo fácil dos skinheads. Em vez de estudar, ganha menos de quatro salários mínimos trabalhando como corretor de imóveis, uma atividade cuja rotina é menos previsível.
"Venha curtir" – Na história de Jorge Soler, chama a atenção a naturalidade com que se envolveu com os Carecas do ABC. Seu depoimento mostra que resolveu cerrar fileiras ao lado da boçalidade discriminatória com a simplicidade de alguém que aceita um convite para ir a uma festa. Um dia, no final do ano passado, ele saiu de casa em Diadema, cidade paulista conhecida pelas altíssimas taxas de homicídio, para comprar um CD de rock, tipo de música abominado pelos skinheads. No caminho, foi abordado por um membro dos Carecas do ABC. Era a primeira vez na vida que tinha contato com um skinhead. O rapaz convidou-o para um encontro do grupo num bar no centro da capital paulista. Ele foi. Gostou da conversa dos militantes mais velhos, que funcionam como líderes. Todos tinham em comum um emprego remunerado e o lema "Deus, pátria e família". "Me identifiquei logo. Eles disseram: 'Venha curtir com a gente'. E eu aceitei o convite", conta.
Em poucos dias, raspou o cabelo, passou a freqüentar as reuniões mensais sempre feitas em bares de São Paulo, qualquer bar, sem nenhum cuidado especial para evitar que fossem ouvidos. No dia em que matariam o adestrador de cães, os Carecas do ABC se reuniram num bar a 2 quilômetros da Praça da República, onde o rapaz seria morto. Em geral, nessas reuniões, fala-se do ódio aos punks, aos gays, da raiva de algum deles contra alguém que tenha queimado a bandeira nacional no Dia da Independência, do sopapo que um deles deu em um punk com que cruzou na rua. No meio da pauta de brutalidades, também se fala, nessas ocasiões, sobre assuntos amenos, como namoradas ou futebol. Em véspera de datas cultuadas pelos Carecas do ABC, como o Descobrimento do Brasil ou a Independência, o tema são as comemorações. Alguns produzem panfletos caseiros para distribuir, pregando sempre o lema "Deus, pátria e família".
Como a maioria dos militantes dos Carecas do ABC, Jorge Soler também nada contava aos pais. "Eu tinha vergonha de falar do que fazíamos", diz. Com sua adesão ao grupo, as agressões gratuitas passaram a fazer parte da vida do jovem de Diadema. "Quando alguém aparecia numa reunião contando que tinha esmurrado um punk, eu ficava com uma sensação de que a justiça havia sido feita", diz ele. Foi só no dia do assassinato de Edson Neris da Silva que Jorge se deu conta da barbaridade em que estava metido. "Até aquele momento achava a violência normal", conta. Mesmo porque não era a primeira vez que seu grupo batia num homossexual. Na mesma Praça da República onde morreu Edson, os Carecas do ABC tinham espancado Marcos Daniel Braga – que, por sorte, escapou da fúria com vida.
Prática esportiva – Os Carecas do ABC surgiram no início dos anos 80, inspirados no integralismo de Plínio Salgado, que, por sua vez, se nutria do ideário do fascismo italiano e do nazismo alemão. O movimento, porém, não prega a idéia da supremacia branca de Hitler, mas combate punks, gays e a presença de estrangeiros – especialmente gente procedente de países latino-americanos mais pobres, como Paraguai e Bolívia. Para eles, nenhum problema em relação a alemães, ingleses ou franceses. Na época em que entrou no grupo, e ainda hoje, Jorge não tinha mais que uma noção dos "fundamentos teóricos" dos skinheads, aquela sopa confusa e rudimentar em que se misturam pitadas de integralismo, nazismo e outras idéias exóticas da mesma família. Os integrantes dos Carecas do ABC pertencem, em geral, à classe média baixa. Boa parte trabalha como segurança, office-boy, secretário. O número de membros gira em torno de 100 na Grande São Paulo. E, como no caso de Jorge, talvez boa parte deles julgue praticar um esporte – espancando e matando. Só isso. Quando se constata a banalização da violência no país, nada parece mais eloqüente do que casos assim.
 
Stephen Kanitz*

Gente como a gente 


                                        

"Teremos de fazer um pequeno esforço para conhecer novamente nossos vizinhos, apesar
de chatos, apesar das opiniões diferentes e
dos gostos musicais irritantes"


Boa parte da história da humanidade transcorreu em uma época na qual a maioria da população vivia em pequenas vilas e cidades com no máximo 10.000 habitantes. Isso significa que havia, em média, 200 pessoas em sua faixa etária, que você conhecia por nome e sobrenome.

Nem todas eram simpáticas, brilhantes e alegres como você, mas, se quisesse ter amigos, você teria de aprender logo cedo a aceitar as idiossincrasias e diferenças de opinião. Muitos dos filósofos da época escreviam sobre tolerância, uma virtude necessária para os tempos.
Hoje, a situação é diametralmente oposta. A maioria da população brasileira vive em grandes centros urbanos, fenômeno com menos de quarenta anos de existência. Ainda não aprendemos a conviver com essa nova situação. Por exemplo, nem dá para pensar em conhecer as 100.000 pessoas em sua faixa etária de sua metrópole. De quarenta anos para cá, começamos a fazer algo que nossos antepassados não podiam: selecionar nossos amigos.
Podemos, agora, criar um seleto grupo de amigos, gente-como-a-gente. Pessoas com os mesmos interesses, com as mesmas manias, que pensam politicamente do mesmo jeito, que têm os mesmos gostos e opiniões.
Se seu vizinho é um chato ou tem opiniões contrárias, você simplesmente o ignora e se desloca até o outro lado da cidade para encontrar um amigo. Gente chata nunca mais. Virtudes como tolerância, respeito, curiosidade intelectual não são sequer mais discutidas, muito menos veneradas. É cada um por si e seus amigos.
Com a internet, a situação piorou, e muito. Agora existem sites que permitem que descubramos gente-como-a-gente do outro lado do mundo, através de "comunidades virtuais", e-grupos, e-amigos, enfim.
A Amazon Books, por exemplo, avisa-me de outros clientes que compraram exatamente os mesmos livros que eu comprei. Gente do mundo inteiro que tem os mesmos interesses, um pequeno grupo de gente-como-eu.
Isso, no entanto, está longe de ser uma comunidade, no sentido antigo da palavra. Se não tomarmos cuidado, viraremos um bando de narcisistas olhando no espelho.
Jamais iremos criar uma sociedade de união universal como pregam os social-internautas. Somente aumentaremos a intolerância, a falta de compreensão, compaixão e humildade local. Aumentaremos também a arrogância, com a auto-alimentação de grupos que terminarão se achando donos da verdade.
Não vou sugerir uma volta ao passado nem negar que é um prazer conhecer gente-como-a-gente do mundo inteiro, e prevejo que provavelmente iremos continuar nesse caminho.
Mas teremos de fazer um pequeno esforço para conhecer novamente nossos vizinhos, apesar de chatos, apesar das opiniões diferentes, dos gostos musicais irritantes, e assim por diante. Se você parar uma vez na vida e conversar com seu vizinho, poderá descobrir que no fundo ele até que tem coisas interessantes e diferentes a dizer. Você poderá descobrir que existe uma virtude em ser tolerante, compreensível e aberto a novas idéias.
Se cada um se fincar na sua trincheira, criando batalhões de amigos que pensam igualzinho, iremos caminhar numa rota perigosa para o futuro.
Meu site voluntarios.com.br dá preferência proposital às entidades próximas ao endereço em que você mora. Talvez não haja uma de que você goste em seu bairro, mas esse é justamente o espírito da filantropia e do voluntariado: não se faz o que se "gosta", mas o que é necessário ser feito.
Portanto, se você tem um vizinho chato, cumprimente-o de forma diferente da próxima vez que o encontrar. Dê um sorriso encantador. Convide-o a ir a sua casa ou apartamento. Vamos começar a aprender a conviver com gente-que-não-é-tão-parecida-com-a-gente. O mundo ficará bem melhor.
 
Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)