sábado, 28 de novembro de 2009

Stephen Kanitz*

Gente como a gente 


                                        

"Teremos de fazer um pequeno esforço para conhecer novamente nossos vizinhos, apesar
de chatos, apesar das opiniões diferentes e
dos gostos musicais irritantes"


Boa parte da história da humanidade transcorreu em uma época na qual a maioria da população vivia em pequenas vilas e cidades com no máximo 10.000 habitantes. Isso significa que havia, em média, 200 pessoas em sua faixa etária, que você conhecia por nome e sobrenome.

Nem todas eram simpáticas, brilhantes e alegres como você, mas, se quisesse ter amigos, você teria de aprender logo cedo a aceitar as idiossincrasias e diferenças de opinião. Muitos dos filósofos da época escreviam sobre tolerância, uma virtude necessária para os tempos.
Hoje, a situação é diametralmente oposta. A maioria da população brasileira vive em grandes centros urbanos, fenômeno com menos de quarenta anos de existência. Ainda não aprendemos a conviver com essa nova situação. Por exemplo, nem dá para pensar em conhecer as 100.000 pessoas em sua faixa etária de sua metrópole. De quarenta anos para cá, começamos a fazer algo que nossos antepassados não podiam: selecionar nossos amigos.
Podemos, agora, criar um seleto grupo de amigos, gente-como-a-gente. Pessoas com os mesmos interesses, com as mesmas manias, que pensam politicamente do mesmo jeito, que têm os mesmos gostos e opiniões.
Se seu vizinho é um chato ou tem opiniões contrárias, você simplesmente o ignora e se desloca até o outro lado da cidade para encontrar um amigo. Gente chata nunca mais. Virtudes como tolerância, respeito, curiosidade intelectual não são sequer mais discutidas, muito menos veneradas. É cada um por si e seus amigos.
Com a internet, a situação piorou, e muito. Agora existem sites que permitem que descubramos gente-como-a-gente do outro lado do mundo, através de "comunidades virtuais", e-grupos, e-amigos, enfim.
A Amazon Books, por exemplo, avisa-me de outros clientes que compraram exatamente os mesmos livros que eu comprei. Gente do mundo inteiro que tem os mesmos interesses, um pequeno grupo de gente-como-eu.
Isso, no entanto, está longe de ser uma comunidade, no sentido antigo da palavra. Se não tomarmos cuidado, viraremos um bando de narcisistas olhando no espelho.
Jamais iremos criar uma sociedade de união universal como pregam os social-internautas. Somente aumentaremos a intolerância, a falta de compreensão, compaixão e humildade local. Aumentaremos também a arrogância, com a auto-alimentação de grupos que terminarão se achando donos da verdade.
Não vou sugerir uma volta ao passado nem negar que é um prazer conhecer gente-como-a-gente do mundo inteiro, e prevejo que provavelmente iremos continuar nesse caminho.
Mas teremos de fazer um pequeno esforço para conhecer novamente nossos vizinhos, apesar de chatos, apesar das opiniões diferentes, dos gostos musicais irritantes, e assim por diante. Se você parar uma vez na vida e conversar com seu vizinho, poderá descobrir que no fundo ele até que tem coisas interessantes e diferentes a dizer. Você poderá descobrir que existe uma virtude em ser tolerante, compreensível e aberto a novas idéias.
Se cada um se fincar na sua trincheira, criando batalhões de amigos que pensam igualzinho, iremos caminhar numa rota perigosa para o futuro.
Meu site voluntarios.com.br dá preferência proposital às entidades próximas ao endereço em que você mora. Talvez não haja uma de que você goste em seu bairro, mas esse é justamente o espírito da filantropia e do voluntariado: não se faz o que se "gosta", mas o que é necessário ser feito.
Portanto, se você tem um vizinho chato, cumprimente-o de forma diferente da próxima vez que o encontrar. Dê um sorriso encantador. Convide-o a ir a sua casa ou apartamento. Vamos começar a aprender a conviver com gente-que-não-é-tão-parecida-com-a-gente. O mundo ficará bem melhor.
 
Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)

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