quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Escravidão no século XXI

24/08/2009 - 17:22:39

Nunca houve tantos escravos como agora, diz pesquisador

Estimativas apontam que haja entre 12 milhões e 27 milhões de escravos. “Há mais escravos hoje do que em qualquer outro momento da história da humanidade”, afirma o jornalista Benjamin Skinner, em entrevista ai sítio Deutsche Welle, 21/8.  Benjamin Skinner, auto do livro A Crime So Monstrous: Face-To-Face with Modern-Day Slavery (Um crime tão monstruoso: face a face com a escravidão hoje).
Na noite de 22 para 23 de agosto de 1791, a ilha de Santo Domingo (hoje Haiti e República Dominicana) assistiu ao começo de uma insurreição que teria um papel decisivo na abolição do tráfico transatlântico de escravos. Hoje, o 23 de agosto é comemorado pela Unesco como o Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição.

Eis a entrevista.
A escravidão é um fato do passado?

Com certeza, não. Embora existam mais de 300 tratados internacionais e mais de uma dúzia de convenções universais exigindo o fim da escravidão e do comércio de escravos, este ainda é um problema que desafia o mundo moderno. Pessoas e nações presumem que a lei seja suficiente para erradicar o comércio, mas não é. A abolição legal é um primeiro passo necessário, mas a abolição real requer a aplicação rigorosa dessa lei para perseguir os traficantes e proteger e reabilitar as vítimas.
Quantos escravos existem hoje no mundo?
Como a escravidão é ilegal em qualquer parte do mundo, os traficantes escondem suas vítimas, temendo as autoridades. Em qualquer país, escravos são uma população oculta. Mas as estimativas mais amplamente aceitas apontam que haja entre 12,3 milhões e 27 milhões de escravos.

E em números relativos, em comparação com o passado?
Há mais escravos hoje do que em qualquer outro momento da história da humanidade. Mas, por mais deprimentes que sejam os números absolutos, podemos encontrar certo consolo no fato de a porcentagem de escravos na população mundial ser hoje menor. Os três grandes movimentos abolicionistas do passado de fato trouxeram progressos. Mas ainda há muito a ser feito neste quarto e último.

O que caracteriza a condição de escravo?
Escravos são pessoas forçadas a prestar um serviço, mantidas ilegalmente e ameaçadas com violência, sem pagamento e em esquema de subsistência. São pessoas que não podem fugir de seu trabalho.

Que tipo de trabalho eles fazem hoje em dia?
São usados em todos os ramos da indústria, da agricultura e do setor de serviços. A maioria é forçada a trabalhar para quitar uma dívida, em muitos casos herdada de um ancestral. Todo ano, centenas de milhares são forçados a cruzar fronteiras internacionais para executar trabalhos domésticos ou manuais, também como pedintes, ou se tornam vítimas de prostituição forçada. Crianças são obrigadas a lutar em guerras civis brutais; homens e mulheres, espoliados e obrigados a produzir componentes de produtos de consumo que você talvez tenha em casa. A escravidão está em todo e em nenhum lugar.

Que motivos levam hoje à escravidão?
As circunstâncias de cada escravo são diferentes, claro, mas há temas recorrentes. Em primeiro lugar, escravos tendem a vir de comunidades profundamente empobrecidas e socialmente isoladas. Tendem a ser jovens, do sexo feminino, com acesso restrito a educação e saúde, e sem qualquer acesso ao crédito formal. Também costumam viver em áreas onde o domínio da lei é fraco e criminosos podem tirar vantagem de sua vulnerabilidade  e isolamento para lucrar.

Que países e regiões possuem o maior número de escravos?
O sul da Ásia em geral - e a Índia, em particular - possui mais escravos do que todo o resto do mundo junto. A abolição do trabalho escravo na Índia, assim como a do sistema de castas, continua sendo uma promessa não cumprida. Nos níveis estaduais e distritais, bem como nos panchayats [sistema político indiano que agrupa quatro vilas em volta de uma vila central], a boa intenção das leis nada significa para os milhões de pessoas forçadas a trabalhar para pagar uma dívida que, em muitos casos, foi feita gerações antes.

E na América Latina?
Há centenas de milhares, talvez milhões de escravos na América Latina. O Haiti tem umas 300 mil crianças escravas. Ofereceram-me uma por 50 dólares numa rua de Porto Príncipe, a cinco horas de distância da minha casa em Nova York. Dezenas de milhares são traficadas da América Central e do México para localidades mais ao norte. Nos Estados Unidos, a maior parte dos escravos é mexicana ou foi traficada através do México. Ironicamente, o Brasil, um dos últimos países a abolir formalmente a escravidão, é hoje um dos mais proativos no combate ao tráfico. Equipes móveis de inspeção do Ministério brasileiro do Trabalho resgatam cerca de 5 mil escravos por ano. Mas infelizmente eles não recebem aconselhamento ou proteção adequados, e dá para contar nos dedos de uma mão quantos criminosos foram condenados. Ou seja, quase a metade dos escravos resgatados volta ao regime escravo. Ainda há muito a ser feito na região.

Qual o papel do Estado em países onde existe escravidão?
A escravidão existe onde os Estados são fracos ou corruptos, mas ela também pode ser usada por regimes autoritários como forma de controlar a população. Por exemplo, no Sudão, onde o governo do norte armou e encorajou as milícias a escravizar durante uma guerra civil de 22 anos. Ou em Mianmar, onde o governo impõe o regime de corvéia à população rural.
É sabido que, em certos países, é possível libertar um escravo pagando por ele. Algumas organizações fazem isso. Você considera este um caminho válido?
Certamente não. Por mais que comprar a liberdade de um escravo faça o comprador se sentir bem, essa prática, na melhor das hipóteses, dá margem à corrupção. Na pior delas, incentiva o comércio com a miséria humana.

Quanto custa um escravo hoje?
Escravos hoje são mais baratos do que nunca. Presenciei negociações de venda em quatro continentes e recebi ofertas de 45 dólares na África do Sul até cerca de 2 mil dólares (na verdade, tratava-se da troca por um carro usado) na Romênia. Com mais de 1,1 bilhão de pessoas subsistindo com menos de um dólar por dia, a oferta de potenciais escravos é praticamente ilimitada.

Quais são as consequências tardias da escravidão nas sociedades em que ela existiu, como nos EUA e na América Latina?
Países que falham em lembrar que a escravidão é um compromisso vivo estão condenados a viver em insegurança e desigualdade, e em meio a atividades criminosas. Mas aqueles que se encarregarem da difícil tarefa de eliminar a escravidão serão recompensados com sociedades mais prósperas e pacíficas. O que me lembra as palavras de Maya Angelou: “A história, por mais dolorosa, não pode ser ‘desvivida’. Mas, se enfrentada com coragem, não precisa ser revivida”.
http://www.youtube.com/watch?v=89BMhivvRFE&feature=player_embedded

Consumo - Reportagem da revista VEJA Ed 2086

Karl Hvidt
Divulgação

"A classe A não se importa em pagar caro pela sensação de status"

O engenheiro Karl Hvidt, 44 anos, está há três meses no comando da dinamarquesa Bang & Olufsen, líder no mercado de luxo de aparelhos de som e televisão. Sua tarefa não é fácil. Ele precisa modernizar uma empresa em que, desde 1925, tudo é feito de modo muito artesanal. Perdendo espaço para a concorrência, a Bang & Olufsen acumulava prejuízos quando Hvidt assumiu. Especialista no consumo de alto custo, ele falou ao repórter Marcos Todeschini.


O que faz alguém pagar até
100 000 reais por um aparelho de som?
 

As pesquisas mostram que a classe A adora a sensação de poder comprar um carro ou um par de sapatos que ninguém mais tem. São pessoas em busca de "exclusividade". Esse é o fator que mais pesa na decisão por um som tão caro. O segredo é investir no design, personalizar ao máximo os aparelhos e fazer uma boa propaganda disso. 


Qual é a influência da marca no mercado de luxo? 
Altíssima. Em nenhum outro mercado ela pesa tanto. Se a percepção da marca é boa, as chances de compra aumentam exponencialmente. Mais do que isso: o cliente passa a avaliar os atributos de um produto com muito mais condescendência. Tende a relevar as limitações – e enaltece suas qualidades.


Em que momento, afinal, os clientes revelam racionalidade na compra? 
A classe A é bem informada. Numa loja onde se vende tecnologia, demonstra elevado grau de conhecimento do assunto. Mas são, ainda, clientes predominantemente emocionais, capazes de pagar mais caro por algo que lhes dê sensação de status ou remeta a uma boa experiência. Nosso objetivo é justamente tentar aguçar esse lado mais emotivo.


Por exemplo? 
Poucas táticas funcionam tão bem no mercado de luxo quanto reunir um monte de grifes num mesmo lugar. Curiosamente, elas passam a ser vistas como ainda mais luxuosas. As pesquisas mostram que um som Bang & Olufsen a bordo de uma Mercedes-Benz recebe uma avaliação bem melhor do que o mesmo aparelho sozinho. O excesso de luxo nunca incomoda. Muito pelo contrário. 

Por que o senhor diz isso? 

Havia um mito no mercado de luxo de que a classe A prezava a discrição. Já erramos feio por acreditar nisso. Certa vez, a empresa criou um som para carros cujo volume aumentava automaticamente quando o motorista acelerava. Foi um fiasco. As pessoas diziam: "Qual é a graça de ter um carrão cinco-estrelas e não poder mostrar aos outros o som do motor em ação?".

O senhor assumiu a Bang & Olufsen com uma queda de 10% no faturamento. Onde estava o erro?  Pense numa empresa de tecnologia que, no século XXI, levava até vinte anos da pesquisa à fabricação de um produto e, ainda por cima, fazia quase tudo sob encomenda. Impraticável, certo? Até outro dia, éramos assim.
O que já mudou? 
Estamos deixando de ser tão artesanais. A escala de produção cresceu, componentes foram padronizados e a pesquisa se acelerou. Com isso, a previsão para 2009 é dobrar o número de lançamentos, o que é fundamental para permanecermos vivos diante de uma competição que só piora. 


A crise financeira já chegou ao mercado de luxo? 
Sem dúvida. Mesmo com dinheiro, as pessoas estão mais conservadoras. Nossa estratégia é apostar em países emergentes, como Brasil e Rússia. Antes da crise, a previsão era que lá o mercado cresceria 15%. Caiu para 11%, o que não é mau. Nesses países, o luxo ainda causa deslumbramento e desperta a irracionalidade como em nenhum outro lugar. Um cenário ideal para os negócios.